quarta-feira, 29 de março de 2017

Feminismo, uma visão sócio histórica do empoderamento feminino.


Este foi o post que puliquei na pagina de meus queridos ex alunos: siga aqui --> Na roda com psicologos.
Boa leitura.

O feminismo, uma visão sócia histórica do empoderamento da mulher


Por Raquel A. Cassoli (Profa do curso de Psicologia da Unipaulistana. Mestre e doutoranda em Psicologia da Educação)

Desde 2015 o Brasil está vivendo o que seria a “primavera das mulheres”, diversos movimentos passaram a lutar contra a opressão vivida pelas mulheres, especialmente nas mídias virtuais que se transformaram em manifestações diversas no mundo real. O gatilho dessa revolta das mulheres contra o patriarcado se evidenciou após a exibição do programa MasterChef Junior, onde uma participante de 12 anos passou a ser assediada por adultos na internet, que não se intimidaram em registar o ato criminoso nas redes sociais (assediar sexualmente uma criança menor de 14 anos é crime) O assédio sexual revelou a cultura do estupro através da hashtag #meuprimeiroassedio lançada pelo coletivo Think Olga para o mapeamento do assédio sexual dirigido as crianças.

A campanha teve um impacto tão grande que teve eco nos Estados Unidos e na Europa com a hashtag em inglês #firstharassment. O resultado foi incomodo para as mulheres: 82 mil relatos de assédio, 77% das mulheres já foram molestadas e a constatação de que o primeiro assédio ocorre entre 9 e 11 anos de idade, onde muitas vezes as meninas ainda não possuem corpo de mulher e não entendem porque aquilo está acontecendo com ela. Entre os relatos mais comuns estão assédio no transporte coletivo, apalpadas e beijo forçado em locais públicos e baladas.

A pedofilia está entre as doenças classificadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) entre os transtornos da preferência sexual. Pedófilos são pessoas adultas (homens e mulheres) que têm preferência sexual por crianças – meninas ou meninos - do mesmo sexo ou de sexo diferente, geralmente pré-púberes (que ainda não atingiram a puberdade) ou no início da puberdade, de acordo com a OMS. A reflexão que quero trazer aqui é que enquanto tratarmos a pedofilia como doença, estamos naturalizando as características humanas que são forjadas na sociedade. O primeiro dado que temos que elucidar diz respeito aos estudos realizados por Safiotti (2004) entre 1990 e1992: dos crimes de agressão sexual as mulheres representam 90% das vítimas e são agressoras em apenas 1% dos casos, ou seja, se pedofilia fosse realmente uma doença porque ela atingiria apenas homens? Então concluo que não temos uma doença, mas um modo de funcionamento social que chamaremos de cultura do estupro.

Antes de avançarmos sobre a importância da psicologia para compreensão dos fenômenos humanos, vou esclarecer alguns pontos do nosso tema, a começar pelo que é considerado machismo. Este conceito que baseia-se na supervalorização das características físicas e culturais associadas com o sexo masculino, em detrimento daquelas associadas ao sexo feminino, pela crença de que homens são superiores às mulheres. Em um termo mais amplo, o machismo, por ser um conceito filosófico e social que crê na inferioridade da mulher, é a ideia de que o homem, em uma relação, é o líder superior, na qual protege e é a autoridade em uma família.Enquanto que temos como patriarcado o sistema social tão profundamente radicada que domina todas as outras formas políticas, sociais ou econômicas, gerando um estado de exclusão e discriminação social da mulher pautado na crença dessa superioridade masculina. No patriarcado as mulheres são vistas como objetos de satisfação sexual dos homens, reprodutoras de herdeiros, reprodutoras de força de trabalho e reprodutoras de novas reprodutoras. Portanto, diferentemente dos homens como categoria social, a sujeição das mulheres, também enquanto grupo, envolve prestação de serviços sexuais aos seus dominadores/opressores.

E por fim, o feminismo como o movimento social que prega a igualdade entre homens e mulheres na construção de uma sociedade igualitária para todos. É importante percebermos que o feminismo não é contra os homens, mas sim contra o sistema patriarcal. E que alguns mitos sobre a luta das mulheres muitas vezes visam enfraquecer o movimento que já conseguiu muito pelas mulheres no mundo. Marx no Manifesto comunista já defendia essa igualdade entre homens e mulheres numa sociedade comum. Em um breve histórico, temos as ideias de igualdade surgirem na Revolução Francesa (liberdade, igualdade e fraternidade) que lutava contra opressão da burguesia, resquício da idade média, esses ideários fizeram constituir os direitos dos homens e muito posteriormente os direitos humanos.

O movimento feminista é dividido em alguns momentos, onde temos na primeira onda o movimento sufragista que defendia o voto feminino e a participação das mulheres na política, no Brasil o direito ao voto é conquistado em 1932. A segunda onda: luta pelos direitos reprodutivos, melhor acesso ao mercado de trabalho e direitos à cidadania (por volta dos anos 1970/1980). No Brasil em processo de redemocratização as feministas além de lutar pela valorização do trabalho da mulher, o direito ao prazer, contra a violência sexual, também lutou contra a ditadura militar. Na terceira onda: (por volta dos anos 1990) revisão dos paradigmas das ondas anteriores. Inclusão das mulheres negras no movimento que apareciam de forma invisível. E agora? Alguns dizem que ainda estamos na 3ª. Onda outros dizem que estamos em um novo movimento, mas ainda questionamos a educação machista, a cultura do estupro e a opressão contra a mulher.

Alguns dados sobre essa opressão: As mulheres trabalham em média 5 horas a mais que homens (IBGE/2014), no trabalho informal, o salário das mulheres representa 65% do salário dos homens. No trabalho formal, essa diferença é um pouco menor, mas representa 75% do rendimento deles. Dos crimes de agressão sexual as mulheres representam 90% das vítimas e são agressoras em apenas 1% dos casos. Em 71,5% dos casos os pais biológicos eram agressores. (SAFIOTTI, 2004), 3 em cada 5 mulheres jovens já sofreram violência em relacionamentos. (Instituto Avon e Data Popular (nov/2014).56% dos homens admitem que já cometeram alguma dessas formas de agressão: xingou, empurrou, agrediu com palavras, deu tapa, deu soco, impediu de sair de casa, obrigou a fazer sexo. (Data Popular/Instituto Avon 2013).Metade dos relatos ao Ligue 180 tratou de violência física. Em 72% dos casos, as agressões foram cometidas por homens com quem as vítimas mantêm ou mantiveram uma relação afetiva. Do total de relatos de violência registrados pelo serviço, 50,16% foram de violência física; 30,33%, de violência psicológica; 7,25%, violência moral; 2,10%, violência patrimonial; 4,54%, violência sexual; 5,17%, cárcere privado; e 0,46% referiram-se a tráfico de pessoas. É preciso transformar essa realidade.

No que diz respeito a Psicologia costumo enfatizar a necessidade da escolha de abordagens psicológicas que sejam condizentes com a leitura de homem e de mundo que permitam olhar a sociedade tal como se apresenta e transforma-la. Safiotti (2004) nos mostra que durante o século XX dois pensamentos se mostraram muito fortes: Freud e Marx, cada um ao seu modo e por suas análises da sociedade, produziram ideias e patrimônios culturais. “ No caso de Freud, porém, uma parte desta herança tem produzido resultados extremamente deletérios às vítimas de abuso sexual, em especial do abuso incestuoso. Para Freud, e hoje para muitos de seus seguidores, os relatos das mulheres, que frequentavam seus consultórios, sobre abusos sexuais contra elas perpetrados por seus pais eram fantasias derivadas do desejo de serem possuídas por eles, destronando, assim, suas mães. Na pesquisa realizada entre 1988 e 1992 (Safiotti, 1992) não se encontrou um só caso de fantasia. A criança pode, e o faz, enfeitar o sucedido, mas sua base é real, isto é, foi de fato molestada por seu pai. Contudo, o escrito de Freud transformou-se em bíblia e a criança perdeu a credibilidade. ”(SAFIOTTI, 2015 p.20)

Safiotti ainda contempla que 71,5% dos agressores sexuais eram os pais biológicos das vítimas e esta visão sobre a criança tem sido a mais predominante na psicologia especialmente na área clínica. Bock (2000). Nenhuma abordagem superou a perspectiva mecanicista e determinista presentes nos primórdios da ciência psicológica: interno X externo? Psíquico X Orgânico? Comportamento X Experiências subjetivas? – a compreensão do fenômeno psicológico fica incompleta, naturaliza as ações e as características humanas. A psicologia tem responsabilizado o sujeito por seus sucesso e fracassos, fala-se da família sem considerá-la em seu contexto social, fala-se do corpo sem inseri-lo na cultura. A Psicologia Sócio histórica surge baseada na Psicologia histórico- cultural de Vigotski e propõe superar essas contradições e olhar o homem como social, agente de sua história e construtor de sua cultura. O mundo psicológico é um mundo de relação dialética com o mundo social, o fenômeno se constitui em um processo de conversão do social para o individual. Assumindo essa visão de homem e de mundo podemos afirmar com clareza que o pedófilo não é doente, não é monstro ou "aberrações" sociais, mas sim o produto perfeito do patriarcado.

No patriarcado, meninas são adultizadas e mulheres adultas infantilizadas inclusive, é desejado ausência completa de pelos no corpo como nas crianças. Existe uma grande rede “educativa” no senso comum eu contribuem para isso, comentários como "ela sabe bem o que está fazendo" e "meninas amadurecem mais cedo" são muito favoráveis a exploração da criança.   Há ainda, não só da aceitação de relacionamentos entre meninas e homens adultos, mas também da sua romantização. Exemplos de artistas famosos com mais de o dobro da idade de suas namoradas e romances como “Lolita”. A visão sócia histórica da psicologia busca compreender o papel da cultura e da sociedade na educação e formação dos indivíduos e propor transformações

Olhar para a sociedade e a cultura permite reconstruir alguns paradigmas e mudar leis á favor da mulher, o movimento feminista é importante para o levantamento de problemas culturais e educacionais que possam ser combatidos. A mulher tem se mobilizado, não apenas com informações que podem quebrar o ciclo da violência, mas na oferta de uma rede que ampare a saúde, a educação e os direitos das mulheres que estão sempre negligenciados. Em São Paulo o Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde oferece atendimento as mulheres que buscam conhecer melhor sobre sua saúde e quebrar o atendimento machista dado pelas ciências médicas e psicológicas. Outros coletivos na internet buscam conscientizar sobre relacionamentos abusivos, violência física e psicológica.  Para a psicologia é preciso cada vez mais uma atuação que seja livre de pré conceitos machistas, eu considera a o social na formação humana e acolher cada vez melhor as mulheres  vítimas de qualquer forma de violência, sem culpa-las para que possam transformar a realidade e buscar a felicidade.

Fontes:
Documentários: “She´s beautiful when she´s angry” (disponível no Netflix)

Livros:
SAFIOTTI, Heleieth. Gênero Patriarcado e Violência. São Paulo: Perseu Abramo, 2015

BOCK, Ana Mercês Bahia. Psicologia Sócio histórica: uma perspectiva critica em Psicologia. São Paulo: Cortez, 2000

BEAUVIOR, Simone de. O segundo sexo: fatos e mitos. São Paulo: DifusãoEuropeia do Livro, 1960.

Online:
Coletivo feminista sexualidade e saúde: http://mulheres.org.br/saude-das-mulheres/


Think Olga que começou a campanha #chegadefiufiu: http://thinkolga.com/

Revista online Az Mina: http://azmina.com.br/


Blogueiras feministas: http://blogueirasfeministas.com/