Em 2006 tive minha primeira turma numa disciplina na Pós-Graduação,
era psicóloga escolar em um colégio, não tinha experiência como professora,
apesar de ter Licenciatura em Psicologia. Já estava habituada a fazer algumas
palestras, especialmente para as turmas de Administração de Empresas para falar
sobre como se portar em entrevistas de emprego, tema que adquiri certa
experiência como consultora em uma empresa de recrutamento e seleção. Dar aulas
não é o mesmo que dar palestra. A palestra você tem um tema que será falado
para 10 grupos diferentes. Já as aulas costumam ser 10 temas para o mesmo grupo
durante um semestre ou 2 meses.
Preparei o conteúdo com auxílio de um colega mais
experiente, preparei os power points, me enchi de coragem e fui. Não agradei, a
turma tinha uma expectativa diferente sobre a disciplina, não queriam teoria,
não queriam saber exatamente da pratica, não da forma como o curso havia sido
estruturado. Foi um começo difícil e ainda assim encarei a mesma turma em outra
disciplina.
Quando me mudei para São Paulo, depois de diversas negativas
para trabalhar como psicóloga escolar, resolvi tentar a docência como carreira.
E nunca me senti tão realizada como tenho sido desde 2008. No primeiro semestre
contabilizei 700 alunos, no segundo semestre 900, depois disso parei de contar,
era assustador pensar que num final de semana eu corrigia essa quantidade de
provas. Sem fazer contas exatas, desde 2008 mais de 5000 pessoas foram meus
alunos, as vezes isso é um pensamento perturbador. É bastante trabalho. Perceber
que o aluno está aprendendo, o fato em si, já é fantástico. Sentir que tocou a vida
daqueles alunos de uma maneira humana é espetacular. Claro que no meio do
caminho tem o aluno indiferente, o indiferente é o mais difícil. Nunca sabemos
o que ele está pensando, se está realmente acompanhando a aula. Se o aluno discordar
do que eu falo acho positivo, confio plenamente nos meus argumentos e no que
ensino. Existem aqueles alunos que gostam de reclamar, reclamam da aula, do
professor, e esses reclamam também da nota, porque geralmente não estudam, mas
já tive aluno que teve a ousadia de reclamar da bibliografia da disciplina e questionar
isto com a coordenação do curso. Tudo isto fica pequeno com o reconhecimento
dos outros.
Vou esclarecer que os Professores precisam de bons salários independentemente
do nível de ensino que lecionam, afinal investimos em nossa formação, dedicamos
horas de preparo de aula, de exercício e de provas, além das correções, que ao
meu ver estão além das horas adicionais remuneradas, e temos contas para pagar como qualquer mortal,
estou deixando isto claro, porque não gosto do discurso de optar pela docência “por
amor”. O reconhecimento e a gratidão dos alunos é uma das partes que compõem a
realização do professor e é sobre isso que quero falar agora.
São vários sinais que recebo que fazem com que eu pense que
sou uma boa professora: os alunos ficarem felizes quando me reencontram em um
novo semestre. Terminarem o semestre querendo saber quando será a próxima disciplina
que estaremos juntos. A aula ter alguns momentos de descontração, afinal o conteúdo
é importante, mas é preciso levar reflexão sobre temas atuais e tornar a teoria
o mais próximo da pratica possível. Ver que ex-alunos, agora colegas que estão
seguindo na profissão, fazendo pós-graduação e especialmente quando recebo essas
notícias pelos próprios. E-mails,
whatsapp, Instagram, facebook, mensagem de texto que carregam poucas palavras e
boas doses de carinho:
“Professora, estou estudando e lembrei de você, que saudade
da suas aulas. ”
“Professora, passei num concurso e estou aguardando ser
chamada, obrigada pela torcida”
“Professora, entrei no Mestrado na PUC, obrigada pelo
incentivo, será que a gente se encontra pra tomar um café? ”
“Professora, estou fazendo um curso perto da PUC, quinzenal,
vamos nos encontrar para tomar um café? ”
“Estou assistindo ´Escritores da liberdade` não tem como não
lembrar de você. Hehe”
Isso é um pouco do carinho que recebo, devo ter outros
e-mails com notícias de famílias que cresceram, encontros nos Congressos de
Psicologia, de sucesso ou dificuldade na profissão e alguns convites atendidos
para ser homenageada em formaturas. Sem falar dos que viraram amigos pessoais
com direito a almoço anual no rodízio Japa, ou cafés por aí.
Na verdade, fiquei assim surpresa porque recebi no mês passado
(mas só li nesta semana) um e-mail muito grato de uma aluna, que apesar se
sentar sempre na frente em minhas aulas, geralmente mostrava uma atitude
questionadora em relação ao conteúdo, com a autorização dela reproduzo a
mensagem aqui:
“Boa noite Raquel,
Fui sua aluna na
Uninove, sei que muitos alunos passaram em sua vida, por isso achei melhor
enviar uma foto em anexo para que se recorde, afinal, sempre é bom sabermos
quem nos dirige a palavra, não é? O motivo do meu contato é para agradecê-la
por apontar algo tão relevante socialmente, ainda que caminhe contra a opinião
pública, consegue manter pontualmente a crítica sobre a questão da diminuição
da maioridade penal. Por muito tempo fui a favor, cheguei publicar algo no
facebook (não achei a publicação, gostaria de apagar). Hoje percebo a
importância de a vida ser movimento, dos debates (e não embates) sobre os temas
cruciais da sociedade, onde todos nós estamos inseridos.
A psicologia tem o
papel fundamental na articulação com o Estado nas Políticas Públicas, mantendo-se
ativa nos posicionamentos reflexivos que reverberam nas tomadas de consciência
com a práxis da estrutura e conjuntura social. O amadurecimento permite
reconhecer o erro, a cegueira funcional, o estado de ignorância que eu me
encontrava. Após algumas pesquisas, consegui sair do estado de entorpecimento,
e lancei o olhar para a complexidade contextual, antagonizando a visão linear
que me prendia apenas ao desejo de punição do adolescente infrator. Continuo
sentindo o repúdio das ações de barbárie, mas, entendo de maneira mais clara
que não adianta trabalhar com punição como medida imediata, e sim com medidas
socioeducativas sobre a responsabilização do ato praticado do menor, afinal,
quando não se alcança a causa, não haverá solução efetiva. Busquei conhecer
mais o sistema penitenciário, os efeitos socioeconômicos e psicológicos, agora
posso dizer que eu tinha uma visão descolada do todo, o que gerava visão
distorcida, isto é, uma pequena verdade retirada do "todo", torna-se
uma mentira. Mentira esta, que repetida diversas vezes, avolumada com o ódio e
indignação humana, propagada rapidamente nas redes sociais, incorre ao erro de
termos uma mentira travestida de "verdade".
Mais uma vez gostaria de agradecê-la, por ter plantado uma
sementinha dentro de mim, agora ela germinou, e na medida do possível
multiplicarei o pensamento contrário à diminuição da maioridade penal, desta
vez, com mais veemência, pois estamos todos atravessados na onda crescente e
avassaladora da violência que tem devastado muitas vidas seja da "vítima -
menor infrator" ou "vítima - cidadão).
OBRIGADA!!! Adriana Ramos”
Respondi a ela agradecendo e pedindo autorização para publicar e ainda recebi outra resposta: “Claro que
autorizo a publicação, pode ser da maneira que achar melhor, entendo
perfeitamente a luta e os entraves decorrentes do pensamento que vai contra a
maioria. Mas, acredito que assim como eu mudei de ideia, outras pessoas possam
mudar.
Agradeço também suas palavras que chegaram no momento em que
mais precisava! Continue sua luta nos debates de ideias, pois elas são
louváveis, ideias estas, que ainda que densas, consegue transmitir de maneira
sutil, com a sua marca registrada, que é este sorrisão espontâneo! ”
Eu é que sou grata a você, Adriana, por me mostrar que plantamos
sementes que florescem e frutificam, enquanto a sociedade pensa que nós
professores não valemos nada, e somos repreendidos ou ignorados por reivindicar
melhores salários.
Minha gratidão eterna ao carinho dos meus alunos e
ex-alunos, que aquecem meu coração com mensagens, e-mails e boa disposição para
o novo, para o diferente, para o bem-estar da humanidade, são vocês quem mantêm
meu bom humor, minha fé e minha disposição.
Desejo que possam sentir tão realizados profissionalmente quanto
eu.