quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Crônicas da Surdez.

Foi uma semana bastante agitada, após a minha participação no site da ADAP, participei do blog da Paula Pfeifer. Segue o texto que pode ser conferido originalmente e com fotos no blog Crônicas da Surdez.

ETERNAMENTE GRATA AOS MEUS LEITORES

Leitores participativos, que não hesitam em dividir suas experiências comigo e com os outros leitores do Crônicas da Surdez, que estão sempre me dando demonstrações sensacionais de carinho e apoio. O que mais eu poderia querer? O post de hoje é uma compilação de fotos que pedi na FanPage que me enviassem com o livro. :)
Obrigada Vanessa Musskopf, Vivian Farias, Ana Carolina Leite, Raquel Cassoli, Isabela Jordão, Gabriela Gutierres, Lucy Inzavalde – vocês arrasaram nas fotos!!! Hoje em dia, após tantas e tantas histórias de vida incríveis que conheci, continuo me surpreendendo com vocês. Por isso não pude deixar de compartilhar (lá embaixo, após as fotos) o depoimento lindo que a psicóloga Raquel Cassolienviou junto com a foto. Eu acho primordial o trabalho dos psicólogos que se especializam em atenderpacientes com deficiência auditiva e me arrependo MUITO por não ter feito terapia logo após meu diagnóstico com 16 anos. Teria me ajudado demais em todos os aspectos da minha vida. Aceitação incondicional é o nosso primeiro passo para a felicidade – ouvindo ou não ouvindo mas, principalmente, quando temos que lidar com a perda auditiva.
IMG_3026
Oi, Paula! Tudo bem?
Tem tempos que estou pra escrever pra você, a correria com casa, estudos, trabalho e filhos, faz com que eu não tenha muito tempo para escrever e-mails mais longos, mas te acompanho no blog e no Facebook. Comecei te acompanhar no Sweetest Person Blog pouco antes do Crônicas da Surdez e suas reflexões e seus posts foram de grande valia para mim no processo de aceitação da deficiênciado uso de aparelhos e despertou em mim até uma revolta contra as pessoas que têm preconceito, a sociedade e, também o governo que não reconhece os deficientes auditivos como pessoas que deveriam ter os mesmos direitos dos demais deficientes.
Tenho 37 anos, sou deficiente auditiva neurossensorial bilateral de moderada a severa, minha perda é gradual e lenta. Uso AASI desde os 17 anos e tive muita resistência ao uso dos aparelhos. Passei anos me escondendo, mas não julgo as pessoas que estão ao meu redor. Minha família é do interior do estado de São Paulo e lá havia carência de profissionais especializados, minha mãe me levou a vários médicos que diziam que eu ouvia muito bem, que não atender aos chamados era coisa de criança. Foi em outra cidade que encontramos uma clinica de otorrinolaringologia, com fonoaudiólogos que realizaram o diagnóstico, audiometria e exames complementares para orientações necessárias e o uso dos aparelhos, eu estava com 9 anos e recusei o uso do AASI, já usava óculos e aparelhos nos dentes e tinha medo de não ser aceita ou bem vista pelos colegas da escola.
Aos 17 anos mudei de escola e passei a usar lentes de contato, isto me deixou mais confiante para adoção dos AASI, contei apenas a pessoa que considerava minha melhor amiga que eu estava usando aparelhos auditivos e ela estava sempre alerta para quando os aparelhos estavam à vista e puxava o meu cabelo para escondê-lo, isso me deixava constrangida, mas nunca imaginava que ela estava errada. Tudo para mim era tenso: ir a escola, ir a piscina no clube, estar com os amigos, falar ao telefone, ir na aula de educação física… Meu irmão mais velho também devia viver momentos tensos comigo, como temos quase a mesma idade, temos os mesmos amigos, frequentávamos muitos churrascos e o clube juntos, e ele vivia de alertar que nos churrascos não podiam me jogar na piscina, nem jogar água na minha cabeça. Agora vejo que eu vivia numa bolha onde só eu achava que ninguém percebia. E que tudo poderia ter sido diferente se eu pudesse ter ido á uma psicoterapia e pudesse falar desses anseios, trabalhar minha auto estima, que os meus pais e os meus irmão (tenho 2 irmãos e 1 irmã) tivessem tido orientações que facilitassem nossas vidas, que ensinasse a eles a lidar comigo, com a deficiência de maneira saudável.
Fiz faculdade de Psicologia, concluída em 2000, as marcas da minha tensão eram tão fortes, que nunca me senti a vontade para conversar com os colegas sobre isso. Minha melhor amiga e companheira de apartamento sabia que eu usava aparelhos, mas não se sentia a vontade para conversar sobre isso, mas me respeitava e me aceitava. Recentemente tivemos uma conversa sobre meus aparelhos e ela ficou muito feliz em poder conversarmos, ela disse que todos percebiam, mas ninguém perguntava, porque não sabiam como perguntar ou como eu reagiria, já que nunca tinha tocado neste assunto. Veja só, isso foi na faculdade de Psicologia!!! No meu trajeto da pós graduação tente me aproximar dos surdos, fiz curso de LIBRAS, mas em minhas pesquisas as definições de surdo que encontrava eram os sinalizados e não era sobre isso que eu queria compreender e não era desta forma que me enxergava. Dirigi minha carreira para a Educação, minha especialização, meu mestrado e, agora, meu doutorado para a educação inclusiva de uma maneira mais ampla.
Com o seu livro, me senti representada, comprei o livro para minha mãe e achamos muitos pontos em comum. De alguma maneira isto é libertador, me tira o peso de ter que esconder algo, de mostrar as pessoas como eu sou, que não se trata de arrogância, mas de não ouvir algumas coisas. Mais do que assumir minha deficiência, quero poder falar da minha experiencia, quero ajudar as pessoas a lidarem com isso. Quero orientar famílias, tirar-lhes o peso de algo que não deve ser pesado. Mostrar que a deficiência seleciona e que vai estar com o deficiente quem ama, quem aceita e respeita. Não preciso na minha vida de pessoas intolerantes e acho que ninguém deve aceitar isso.
Atualmente moro em São Paulo. Na psicologia trabalho com atendimento clinico e tenho uma formação toda voltada para a educação, especialmente a educação inclusiva. Trabalho no Ensino Superior dando aulas para os cursos de Psicologia, Pedagogia e Gestão Hospitalar. Recentemente estive em contato com a Carla Rigamonti, que conheci através do blog Crônicas da Surdez e tivemos uma conversa muito estimulante sobre o trabalho que estou oferecendo, mas ainda me espanto com aausência de profissionais da Psicologia para trabalhar com deficiência auditiva. Outra pessoa que muito me apoia e incentiva é a Fonoaudióloga Márcia Castiglioni, que trabalha na Widex (a marca dos meus aparelhos auditivos) e que reconhece o quão poderia ser efetivo o bem estar dos usuários de AASI se ele melhorarem a auto estima e aceitação sobre a surdez e o AASI. Ela me contou, por exemplo, que no Brasil não há investimento de AASI coloridos devido a falta de aceitação das pessoas sobre o uso destes, a grande procura tem sido pelos aparelhos beges, marrom e preto que ficam camuflados entre os cabelos.
Por fim, amo meus AASI. Estou oferecendo atendimento e orientação às famílias de deficientes auditivos, mas percebo que a resistência ainda é muito grande. Existe um pré-conceito em relação ao trabalho do psicologo e somado a dificuldade de aceitação da deficiência auditiva que faz com que as pessoas não procurem ajuda, mas acredito que se por muito tempo fugi da minha surdez por achar que ela não deveria me identificarhoje acho que sou melhor por isso. Porque além da meu conhecimento teórico e experiencia na Psicologia, EU SEI como se sente e com o que lida uma pessoa com deficiência auditiva e posso ajudar.
Raquel Cassoli’

terça-feira, 21 de outubro de 2014

“A percepção do preconceito do ponto de vista de uma deficiente auditiva

O texto a seguir foi publicado originalmente na pagina da Associação dos deficientes auditivos, pais, amigos e usuários de implante coclear (ADAP), falo sobre preconceito do ponto de vista do deficiente auditivo.

Raquel Alves Cassoli, Psicóloga (CRP 06/61822) pós-graduada pela Universidade de São Paulo (USP) em “Psicologia e Educação: Processos de aprendizagem e de escolarização”, Mestre pelo “Programa de estudos pós-graduados em Educação: Psicologia da Educação” da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Doutoranda também da PUC-SP em Psicologia da Educação, nos presenteia com um belíssimo e reflexivo texto sobre o preconceito na visão do deficiente auditivo, contando inclusive suas experiências pessoais nesta área, já que, além de ser psicóloga, Raquel também é portadora de deficiência auditiva. Confira a seguir seu relato.
 “A percepção do preconceito do ponto de vista de uma deficiente auditiva
É uma honra poder escrever este texto para a ADAP e juntar minha experiência de vida com a minha profissão. Reconheço que falar sobre preconceito não é um tema fácil e espero que possa fazê-los refletir sobre o assunto, uma vez que se apresenta como algo difícil de ser superado em nossa sociedade. O objetivo deste texto é abordar a percepção do preconceito pelos surdos/deficientes auditivos.
Preconceito no dicionário é explicado como um juízo pré-concebido, que se manifesta numa atitude discriminatória, perante pessoas, crenças, sentimentos e tendências de comportamento. É uma ideia formada antecipadamente e que não tem fundamento sério. E pode estar muito mais ligado a aparência do que a essência das pessoas. O preconceito pode acontecer de uma forma banal, até um pensamento, como por exemplo: “que feio, que gorda, que magro”. E pode ser dirigido à diferenças raciais, sexuais e sociais.
O preconceito contra os deficientes existe desde os primórdios da humanidade, nos anos 480 a. C. os bebês considerados anormais eram mortos. Esta realidade se modificou aos poucos, mas como disse anteriormente, não foi superada, os deficientes foram alcançando lugares melhores na sociedade, mas continuaram sendo excluídos. Um dos pensamentos mais fortes que respingam nos dias de hoje, que alimenta o preconceito e a dificuldade de aceitação da família sobre a deficiência é a ideia pregada na Idade Média de que os deficientes eram o castigo dos pecadores (pais).
Só nos séculos XVIII e meados do século XIX, é que os indivíduos que apresentavam deficiência eram segregados e protegidos em instituições residenciais. E, no final do século XIX e meados do século XX, começam o desenvolvimento de escolas e/ou classes especiais em escolas públicas, visando oferecer à pessoa deficiente uma educação à parte.  A preocupação com a integração ou inclusão do deficiente na sociedade data final do século XX, por volta da década de 70, onde observa-se um movimento de integração social dos indivíduos que apresentavam deficiência, cujo objetivo era integrá-los em ambientes escolares, o mais próximo possível daqueles oferecidos à pessoa normal.  Quero mostrar com isto que a convivência com pessoas deficientes é algo recente em nossa sociedade. Não fomos ensinados a lidar com isso. Não quero com isto justificar as atitudes discriminatórias, mas muitas vezes cabe ao deficiente auditivo ter paciência até com a própria família.
Em São Paulo, a Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (DECRADI) orienta que: “Os crimes de ódio contra deficiente costumam envolver formas de abuso e intimidação ou comentários desrespeitosos camuflados sob a forma de “piadas”. São comuns agressões físicas, agressões verbais, o uso de palavras ofensivas em relação a deficientes, comentários de mau gosto (o agressor costuma classificar tais comentários como brincadeira), imitação da maneira de ser da pessoa com deficiência, ataques morais, não admissão em cargos de emprego e etc. Os atos discriminatórios podem acontecer nas mais variadas situações e nos mais variados lugares. A discriminação, sendo ela sutil ou evidente, deve ser denunciada. Além de ser um direito, é dever de todo cidadão denunciar esse tipo de ocorrência. Através da denúncia protege-se não apenas uma vítima, mas todo um grupo que futuramente poderia ser atacado.”  Reagir a atos de preconceitos explicito nos parece muito fácil, mas as vezes ele aparece de forma muito sutil e a sutileza vem de quem a gente sempre menos espera.
Vou falar um pouco aqui sobre mim: Sou deficiente auditiva, acho que desde que nasci, minha mãe sempre desconfiou, me levou à diversos profissionais que justificavam que eu ouvia o que queria ou diziam que não era nada. A primeira vez que fiz uma audiometria já estava com 9 anos e pela primeira vez um médico deu razão para minha mãe. O diagnóstico explicava a dificuldade de acompanhar os ditados ou as brincadeiras de telefone sem fio, a televisão sempre alta e o fato de nunca perceber que alguém me chamava de longe. Eu virava as costas e os sons desapareciam.  A sugestão de uso de aparelhos, não passou de mera sugestão. Recusei até os 17 anos, sou muito hábil em leitura labial e nunca revelei minha deficiência, desta forma eu era vista pelos colegas como metida, arrogante, mas nunca como surda. Quando passei a usar aparelhos auditivos houve um desconforto na família, na escola e com os amigos: era um assunto quase proibido. Dos poucos que souberam, alguns lidaram com naturalidade e outros queriam que eu escondesse o aparelho. Essa atitude minava minha autoestima e fazia com que eu quisesse cada vez mais esconder minha deficiência. Me esconder. Além de toda tensão que eu sentia nos lugares em que ia, sempre procurando a referencia de lábios para ler. Hoje percebo que esconder a minha deficiência é algo que não me auxilia, uma vez que quando estou ambientes ruidosos, o entendimento de uma conversa fica prejudicado, as pessoas devem saber não apenas que sou deficiente auditiva, mas também que devem falar de frente para mim.
 Essa postura que nós, deficientes auditivos oralizados, adotamos pode ser justificada pela fala de Vigotski (1896 -1934), grande teórico da psicologia e da educação, que mostra que o ser humano se constitui a partir da sua relação com outro. Nesta relação com outras pessoas e o mundo é que vamos nos significando, construindo nossa identidade.  Assim, numa sociedade que valoriza desde os primórdios que as pessoas sejam “perfeitas” e saudáveis, todos querem atingir esse ideal, assim como as adolescentes querem todas atingir o padrão de beleza, super valorizado, da modelo Gisele Bündchen.  Queremos ser aceitos e amados, muitas vezes não conseguimos olhar para nós mesmos, porque os outros a nossa voltam sentem dificuldades de aceitar e aí ouvimos coisas do tipo: “Ah, mas você usa AASI ou IC e ouve tão bem, você não é surdo”, surte quase o mesmo efeito de dizer à um cadeirante que, como ele se desloca com a cadeira de rodas, não é deficiente físico.
Um outro exemplo que podemos dar do preconceito em nossa sociedade aparece claramente quando uma mulher grávida ouve a famosa frase: “o importante é que venha com saúde/ ou que seja perfeito”Pergunte a uma mãe de deficiente se ela amou menos o filho porque ele teve um problema de saúde ou se ele nasceu ou ficou deficiente. Claro que a família, além de passar pelo processo de adaptação com a chegada do novo bebê, tem mais uma preocupação, que diz respeito a sua saúde e/ou deficiência, mas o importante é que o bebê venha e seja feliz, porque mesmo que ele não tiver saúde ou não for perfeito, vai continuar sendo amado.
As manifestações de preconceito nos dizem que não estamos dentro do padrão definido pela sociedade. Quando um deficiente auditivo é impedido de frequentar um lugar ou de poder se candidatar a uma vaga em uma escola ou emprego, é fácil denunciar. Quando as pessoas do nosso circulo intimo esbravejam coisas do tipo: “Por um acaso você é surda?” Ou “é uma surda mesmo!!”, ou a pessoa fala que não vai repetir o que disse, que você deveria ter prestado atenção, ou ainda situações de risadinhas e gozações que o surdo pode não ouvir, são situações de exclusão e preconceito difíceis de serem enfrentadas.  Bullying também é uma forma de preconceito e às vezes só conseguimos perceber pelas expressões faciais e risadinhas, muitas vezes não entendemos o que está sendo dito perto de nós. E quando isto vem de pessoas do circulo mais próximo, como escola ou trabalho, faz com que o deficiente auditivo se sinta diminuído e sem reação, o que não significa que ele não saiba reconhecer. Muitas vezes pensamos que somos nós que não ouvimos que estamos errados e isso é um grande erro, nos colocamos em situações que nos expomos para ser magoados ou culpados por algo que não é uma ação intencional (no caso não ouvir ou não entender).
Uma das formas de combate ao preconceito ainda é a informação. Conseguir conversar com as pessoas esclarecendo suas necessidades, tomamos, por exemplo: falar de frente, falar alto, mas não gritar, repetir sempre que necessário ou chamar com um toque, situa o outro sobre os nossos limites e evita situações embaraçosas.
A psicoterapia me auxiliou no fortalecimento da autoestima, passei a reconhecer a hora de ouvir, assim como a de não ouvir. Sim, eu tiro os AASI quando bem entendo. As situações de preconceito aos poucos foram me mostrando quem são as pessoas que merecem estar ao meu lado, minha amizade e minha dedicação. No caso de familiares, o profissional pode auxiliar com orientações para fortalecimentos dos laços de confiança, a superação dos sentimentos negativos e os pré-conceitos que precisam ser superados.
Agradeço a oportunidade de poder escrever sobre isso e coloco-me a disposição para eventuais dúvidas.
Raquel Alves Cassoli”.

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

A Golden Key School

Para saber mais sobre a GOLDEN KEY SCHOOL. Este texto que objetiva trazer mais informações sobre a Golden Khey School ( Escola Chave Dourada) é uma adaptação da tradução do texto da Dorothy Robbins, está na integra e ilustrado com fotos e videos no site:  http://faculty.ucmo.edu/drobbins/html/golden_key_schools.html


"Durante Perestroica, na Rússia, novos programas educacionais inovadores surgiram. A neta de LS Vygotsky (Dr. Elena Kravtsova), e seu laboratório de 23 pessoas estabeleceram um desses novos programas. 
O objetivo do currículo do programa Chave Dourada é tirar as crianças da alienação tradicional encontrada em muitas escolas e em muitas famílias da Rússia pós-soviética. Utilizando os princípios teóricos e metodológicos de  LS Vygotsky, Elena e Gennadi Kravtsov, abriram mais de 30 escolas  Chaves Douradas  ao redor da Rússia desde 1989, e há planos para expandir este currículo aos níveis mais elevados do ensino, (ainda trabalham com educação infantil e alfabetização) incluindo a coordenação de uma clínica hospitalar.A inclusão de atenção médica não só irá envolver as crianças com doenças físicas, mas também as crianças com dificuldades de aprendizagem e problemas familiares.
Os Métodos que são usados,  partem da compreensão global do processo de interação e é executado dentro da Zona de Desenvolvimento Proximal , colocando a organização das crianças como se elas estivem em famílias em vez de classes. Portanto, cada família tem entre 15 a 25 crianças com idades entre 3 e 10 anos e há uma sensação de uma família extensa, tendo sua própria "casa" em vez de uma sala de aula. Professores precisam frequentar uma formação especifica para o serviço, a fim de aprender a melhorar uma comunidade de aprendizagem, e os pais são ativos em eventos da escola, muitas vezes participando como figuras históricas, ou ajudando a costurar fantasias, ou cantar ou recitar poesia. As crianças se reúnem em suas famílias todos os dias da escola para discutir os problemas e aprender a resolver problemas. Uma vez que existem crianças de diferentes idades, as crianças mais velhas podem ser um modelo de comportamento para os mais novos e devem apoiar as crianças mais novas. Os acontecimentos são eventos que compõem de o conceito central das escolas chaves douradas. Estes acontecimentos são baseados em torno de eventos históricos, estações do ano, e eventos pessoais. Há eventos semanais e mensais.
Um exemplo que podemos ter deste acontecimento é relatado na escola em Belaya Kalytva (nos arredores de Moscou) e estava relacionada ao estudo do mundo, e, neste caso, na Austrália. Um dia, quando todos estavam reunidos em suas famílias , uma mulher vestida em um traje tradicional do russo veio para cada família e disse às crianças (3-10 anos de idade) que um jovem da Austrália tinha perdido o seu caminho e perguntou se as crianças poderiam ajudar. Todas as crianças prontamente levaram-na as mãos dos adultos e todos foram para o museu da escola onde o menino estava vestido com um traje aborígine com uma cara suja (como se estivesse perdido). O menino (fingiu que) não podia falar russo, e foi muito triste, na verdade, ele estava em lágrimas. As várias famílias foram questionadas se eles poderiam ajudar e foram, então, divididos em faixas etárias. Cada grupo (liderado por um professor) ajudaram a orientar as crianças com ideias para resolver o problema. Um grupo de crianças muito pequenas feitas presentes para o menino para levar para casa, enquanto um grupo mais velho escreveu um telegrama aos seus pais na Austrália (inclinando-se sobre as diferenças entre escrever cartas e telegramas, bem como a aprendizagem da gramática russa). Outro grupo descobriu que a Austrália foi localizado e até onde ela estava de Moscou, desenhando mapas e usar habilidades matemáticas. Outro grupo trabalhou em descobrir sobre os animais na Austrália, que incorporou exercícios de matemática também. Então foi anunciado que o garoto seria capaz de voar para casa para a Austrália, para sua família, mas em primeiro lugar, haveria um acontecimento (encontro) (que acontece uma ou duas vezes por mês, com as crianças e os pais se preparam para isso com semanas de antecedência). As crianças trouxeram o menino para uma sala decorada especialmente para ele, e disseram-lhe que queriam fazer uma festa e compartilhar a cultura russa com ele. Eles queriam que ele fosse capaz de compartilhar suas aventuras na Rússia, com outras crianças na Austrália. As crianças estavam agora em grupos etários mistos, e novamente em uma sala especial onde eles estavam cantando canções russas em trajes, danças, e recitando poesia as crianças haviam escrito, e demais produções.  Havia mais de uma hora de entretenimento, sempre com música de piano e outros instrumentos que estava sendo tocado pela equipe. Após as festividades, um homem (Gennadi Kravtsov) veio com um carro para levar o menino para o aeroporto, e todas as crianças, pais e equipe acenou para ele da janela quando ele entrou no carro e foi embora.
Eu quase me senti como um garoto que estava realmente indo para casa para a Austrália, foi tão real. Após o acontecimento , refrigerantes foram servidos a todos. Durante a tarde, houve mais trabalho sobre a Austrália, incluindo a música, história, dança, geografia, o estudo do clima, animais, etc.
A importância da educação deste currículo não pode ser mais expandida, pois a maioria das escolas chaves douradas recebem muito pouco financiamento do governo, e estas escolas estão abertas a todas as crianças. Os métodos utilizados são inovadores e novos, e pode se tornar um modelo de educação em outras partes do mundo."

Para material de leitura, consulte o capítulo sobre as escolas chaves douradas em: Schools for growth: Radical alternatives to current educational models.Lois Holzman. Mahwah, NJ: L. Erlbaum Associates, 1997."

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Golden Key School: uma experiência de sucesso educacional

 – o presente texto escrito por Raquel Alves Cassoli foi resultado das anotações da palestra proferida por Guennady Kravtsov[1]   em russo com tradução simultânea feita por seu filho, Oleg Karvtsov, para o inglês. 20/10/2012 no Centro Cultural Hiroshima promovido pelo Instituto de Psicologia Aplicada Lev Vygotsky Brasil. O objetivo destas anotações é refletir sobre efetividade da Teoria Histórico Cultural para a organização do ensino infantil.



        Guennady relata que há 40 anos estuda a Teoria Histórico Cultural de Vigotski e há 20 anos criaram o programa escolar Golden Key – cujo principal propósito foi desenvolver um programa educacional escolar visando o desenvolvimento total da criança. A base é a teoria Histórico cultural de Vigotski.
         A teoria de Vygotsky é primordial para compreender o desenvolvimento. Falar sobre desenvolvimento nesta abordagem é difícil. Mas vou tentar explicar. A teoria de desenvolvimento  é uma teoria de auto-desenvolvimento, é uma dinâmica e um processo interno, o que dificulta a exploração de forma tradicional, pois não é algo que pode ser medido.
         A teoria Histórico Cultural é uma nova metodologia criada por Vigotski que não se enquadra nas chamadas teorias clássicas (ou tradicionais) na Psicologia, é uma teoria do futuro. Vigotski mantinha um diário, no qual deixou registrado que priorizava uma psicologia libertária e que para isso é importante compreender como o homem se desenvolve.
         Para Marx o ser humano é social (encontramos isso nos textos de Luria em “Desenvolvimento Cognitivo” e Vigotski em “O Estudo da história do comportamento”)[2] e a base teórica é construída a partir de Marx. Vigotski vai considerar o desenvolvimento do corpo e da consciência. A consciência não é vista da forma como a psicologia tem tratado, pois a ação é um processo controlado pela consciência e o desenvolvimento é um processo de transformação da consciência. A consciência social é a primeira posição sobre a consciência individual, mas ao mesmo tempo a consciência social é a consciência individual. O desenvolvimento das crianças se dá pela comunicação. Assim criar condições para a comunicação é bom para o desenvolvimento infantil.

(foto da Golden Key School extraída da pagina: http://faculty.ucmo.edu/drobbins/html/golden_key_schools.html )

O programa da Golden Key é organizado da seguinte maneira:
1)      Grupo de idades diferentes entre as crianças. O normal costuma serem crianças da mesma idade, pois estado todas as crianças na mesma idade é mais fácil para o adulto educador, mas não para a criança. No desenvolvimento da criança isso não é o ideal. Uma família tradicional antigamente possuíam muitas crianças de idades diferentes, em cerca de 6 ou 7 filhos, todos envolvidos na educação, na vida comum, havia uma diversidade nos diálogos e nas brincadeiras. E hoje, as famílias têm em sua maioria apenas um filho e falta para a criança essa diversidade na comunicação. Existe uma forma de fazer isso e a escola pode superar essa falta de diálogos diversos na vida da criança.
2)      A família. A família é muito importante, pois é a família quem dá o principal para o desenvolvimento da criança que é a comunicação. É a família quem protege e quem dá afeto. A criança sente se amada, e esse amor é incondicional, pelos pais e dá segurança a ela, para que se desenvolvam. As famílias, hoje, por seu arranjo de um filho único e pelas atribuições do dia-a-dia não conseguem dar a totalidade da comunicação á criança, por isso a escola precisa ser uma forma de a criança encontrar outras crianças com idades diferentes. É preciso criar um jardim da infância, uma pré escola como se fosse uma família, como se fosse a convivência dessa família. A relação dos adultos deve ser como a de uma família, todos devem estar envolvidos com os cuidados dessas crianças: pedagogos, psicólogos, cozinheiro e os pais, que são muito importantes e devem participar ativamente na escola. Os professores ensinam primeiro os pais e depois as crianças.
3)      Evento. É a organização da vida neste jardim da infância. O evento tem 2 significados: 1 – algo que aconteceu e que é expresso de alguma maneira e 2- a coexistência tem o mesmo significado. Vou explicar: as crianças não têm aulas como nas escolas normais, elas têm uma vida interessante e com significado. Há ensinamentos e outras atividades interessantes para elas. A posição dos educadores é eu se você quer ensinar  as crianças é preciso conviver com elas, é preciso estar interessado neste convívio e no que as crianças podem oferecer. O evento pode ser de dois tipos:  o primeiro tipo de evento tem uma programação; por exemplo comemorações e o segundo tipo acontecem por acidentes na vida da criança; por exemplo algo que acontece na família da criança ou na rua, e são eventos que precisam ser experimentados  e compreendidos pela criança.  Na atividade programada: as crianças saem para a rua no entorno da escola para construírem um mapa do local, e de repente uma criança pisa ou cai numa poça d’água, a criança relata isso de acordo com a compreensão da criança e todos decidem se aquilo deve constar no mapa, lembrando que são crianças com idades diferentes e dois adultos. É difícil um adulto orientar a atividade de maneira correta, pois um adulto a frente das crianças ele esta contra as crianças, ele coloca as metas do evento, controla as ações das crianças e coloca a atividade do adulto na atividade das crianças.
4)      Os adultos. Há 2 adultos interagindo com as crianças: o primeiro adulto está a frente e é quem coloca as atividades para as crianças, faz propostas do evento e o  segundo adulto está no meio ou atrás das crianças e é quem coloca as dificuldades de compreensão da tarefa que faz com as crianças queiram ajudar esse adulto “idiota” a realizar a atividade proposta pelo primeiro. Exemplo:  o professor (1º adulto) quer ensinar a saudação de “bom dia” – o adulto diz “Vocês precisam falar `Bom Dia!´” – mas para ter efeito ele começa demonstrando como fazer e o 2º adulto cria uma situação, uma cena especial para as crianças. Como se o 1º adulto fosse o pai e o 2º. Fosse o filho e sempre há uma emoção criada nesta cena e as crianças são envolvidas nesta cena. Elas devem sempre estar dentro da situação para que surta o efeito da aprendizagem.
5)      O conhecimento do desenvolvimento infantil. Normalmente quando lidamos com as teorias de desenvolvimento infantil acabamos lidando com as idades e etapas do desenvolvimento e fazemos comparações com as crianças e há 2 características que se diferenciam:
a.       A dimensão de espaços diferentes do desenvolvimento:  nós temos 4 características que centrais para estudar o desenvolvimento infantil.
    Vigotski criticava as teorias clássicas da Psicologia, Freud deu ênfase ao desenvolvimento psicossexual, a sexualidade para Freud era muito importante, mas o desenvolvimento não é só isso. Piaget enfatizou o desenvolvimento das estruturas intelectuais. Para Vigotski o intelecto está na segunda posição, não é o fator central de sua teoria, embora seja também muito importante. Sempre há um critério para o desenvolvimento. Elkonin fala de períodos de desenvolvimento do ponto de vista da atividade, se pensarmos no adolescente, qual é sua principal atividade e esta atividade é bem diferente da atividade da criança. Para Vigotski: existem 2 questões importantes, a primeira é que existem diversas características do desenvolvimento e a segunda questão se refere ao problema metodológico sobre a composição da crianças e considerar as características que ela tem. Elkonin compartilha da teria da atividade, que é muito comum na Rússia e baseando em Vigotski é a partir da vida real que a criança se desenvolve.
     A formação central do psiquismo altera toda estrutura já existente e são muitas as transformações nesta idade da criança. Exemplo: a fala. Quando a criança começa falar muda sua personalidade e sua consciência. Descobre o espaço físico e o significado das coisas a sua volta. A aquisição da fala muda toda sua função psíquica, seu andar amplia toda forma de interação com o lugar onde vive, aumentando sua capacidade de interagir. De 3 á 7 anos a criança forma sua imaginação á partir da fala e evolui seu pensamento, seus sonhos e suas fantasias. Essas funções são controladas pela vontade da criança. As funções psíquicas superiores vão se alterando conforme a vontade de interagir como meio, pois a vontade e a liberdade.
        Vigotski diferencia as funções psíquicas/nervosas  em elementares e superiores; e a principal característica dessas funções é que elas evoluem do natural para o cultural e apesar de terem essa nomenclatura não se excluem , mas compõem uma a outra. A fala tem uma natureza genética, que é aquilo que o organismo dispõe para seu desenvolvimento que só é possível diante do desenvolvimento social. A imaginação é uma estrutura mais complexa que tem um campo de sentimento e imagem. As imagens estão no espaço real e tem varias dimensões como a objetiva (materialidade) e a subjetiva como: sentido, significado e sentimento.
        Existem diferenças na imaginação entre meninos e meninas. Nos meninos a imagem é mais dimensionada, nas meninas ela é mais sentimental, talvez por isso brinquem ou joguem de maneira diferente. Os meninos preferem jogos de construção e as meninas de comunicação e isto está em pesquisa pelo grupo lá na Rússia.
        Desta forma a Golden Key School foca nas atividades planejadas e nas brincadeiras para o desenvolvimento da imaginação. As atividades são planejadas tendo em vista um produto determinado e o desenvolvimento da criança de acordo com essas características da criança
    b) A função psicológica central no desenvolvimento: a atividade líder é o que predomina no dia-a dia das crianças, no caso de crianças de 3 á 7 anos é a brincadeira e a função psicológica central é EMOÇÃO e é onde há as maiores mudanças nesta idade. Para trabalhar com crianças nesta faixa etária é necessário trabalhar com conteúdos emotivos. A emoção começa como natural na criança, o recém-nascido reage instintivamente de forma emocional e o trabalho do professor ou do adulto que lida com a criança é em cima das emoções. A emoção influencia a fala e por ela também é afetada e se transformam em sentimentos. A Emoção é uma Função nervosa/psicológica superior. Aos 7 surge uma crise nessas emoções que se desenvolvem, criam uma nova estrutura intelectual. A Emoção envolve o intelecto pela imaginação, transforma se numa função intelectual.
    Isto não foi aprofundado por Vigotski por não haver um completo entendimento das direções de transformação das funções nervosas/psicológicas superiores. Existe um problema teórico sobre o surgimento das Funções psicológicas superiores: Como a criança não fala e torna-se capaz de falar? De onde vem esta força da Função nervosa/psicológica superior?  Vigotski responde que quando podemos compreender o valor do ambiente somado ao social, temos uma explicação social do desenvolvimento e temos o foco para que as transformações aconteçam. No caso da criança que aprende a falar, toda situação social dela muda, o ambiente continua o mesmo, mas o valor social dela é modificado. O Status que a criança adquire muda a situação social que a preparava para a mudança de status.
    E por ultimo a noção de atividade principal no desenvolvimento é importante para compreender que essas atividades apenas deixam de ser frequente, mas não deixam de ser realizadas. A brincadeira não apenas não acaba na idade adulta como também auxilia no desenvolvimento na idade adulta, pois na atividade de brincar está o futuro do desenvolvimento. A criança faz o que pode, e não apenas o que consegue, ela esgota toda a potencia que existe para ela.


Daí a grande importância da brincadeira nas atividades desenvolvidas na Golden Key School e o sucesso deste programa educacional.




[1] Guennady é marido de Elena Kravtsov, que é neta de Vigotski, sendo filha de Guita Vigotskaia (Guita faleceu em 2010, e atualmente, Elena é quem cuida do material produzido pelo avô. Junto com marido e filho mantém uma escola na Rússia (Golden Key School) cujo programa de ensino é baseado na teoria Histórico Cultural)
[2] Observação da autora

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Educar sem violencia

Resenha.



O livro "Educar sem violência: criando filhos sem palmadas" da Lígia Moreiras Sena (Cientista que virou mãe) e da Andréia C. K. Mortensen (Crescer sem violência) é um daqueles livros que deveriam ter entrega gratuita nas maternidades. O livro possui 112 paginas, ondem as autoras escrevem de forma clara e objetiva sobre os efeitos da violência física e psicológica contra a criança e juntamente com conceitos da Psicologia e da Programação Neurolinguística propõe uma nova forma de se relacionar com os filhos e estabelecer vínculos saudáveis.
 "Bater em criança é aceitável? 
O que está por trás do ato de dar uma palmada?
O que isso diz sobre a criação de quem bate?
O que é ensinado as crianças quando se usa violência física contra elas?
Porque alguns pais ainda batem em seus filhos?"
Essas são algumas das perguntas que as autoras fazem  na apresentação do livro e ao responder essas e outras perguntas conduzem o leitor ao conhecimento cientifico e a reflexão sobre os valores sociais e a cultura da palmada em que vivemos.  O entendimento da origem do comportamento de birra, auxilia a lidar com as criança em momentos de crise. O capítulo sobre violência emocional e resiliência mostra como as ameaças, que muitas vezes parecem inofensivas a crianças e ponto central da manutenção da autoridade dos pais,  revela  o lado cruel do estabelecimento de um vinculo que tem suas raízes no medo. Efetivar uma educação sem palmada é desafiador, exige paciência dos pais, e muito auto controle, mas apresenta-se de forma possível com esta leitura para profissionais e leigos.

Raquel Cassoli