Este texto é um texto preliminar para quem pretende iniciar os estudos acadêmicos na abordagem da Psicologia Sócio Histórica.
A formação do pesquisador não deve ser apenas no
campo da epistemologia ou metodologia.
Não basta aprender como se pesquisa, mas o
aprendiz deve fazer pesquisa. Deve definir estratégias concretas, realizá-las
efetivamente, mergulhar na análise de maneira crítica e produzir conhecimento.
·
Para a SH não é apenas uma ação instrumental e
mecanizada, a pesquisa deve envolver um compromisso aberto e declarado com uma
visão de homem, com seu objeto de estudo e com as conseqüências de tal escolha.
o
A escolha é um ato político e ideológico, não apenas
científico.
·
O objeto de estudo da Psicologia é o homem e
processo de construção do psiquismo.
Ø
Abordagem naturalística: considera apenas uma
relação unidirecional da natureza sobre o homem
Ø
Abordagem dialética: o homem age sobre a
natureza e cria, através das mudanças provocadas, outras conduções naturais
para sua existência.
- Essa última
visão, considerada pela SH demanda outros processos de investigação:
EPISTEMOLOGIA QUALITATIVA
(GONZALEZ-REY):
buscarmos a explicação do processo de constituição do objeto estudado,
ou seja, estudá-lo no seu processo histórico
Este homem,
constituído na e pela atividade, ao produzir sua forma humana de existência,
revela - em todas as suas expressões - a historicidade social, a ideologia, as
relações sociais, o modo de produção. Ao mesmo tempo, esse mesmo homem
expressa, a sua singularidade, o novo que é capaz de produzir, os significados
sociais e os sentidos subjetivos.
A apreensão
do homem, como nos lembra Vigotski (2001), se dará pela compreensão da gênese
social do individual, “ pela compreensão de como a singularidade se constrói na
universalidade e ao mesmo tempo e do mesmo modo, como a universalidade se
concretiza na singularidade, tendo a particularidade como mediação”. (Oliveira,
2001:1).
Podemos
afirmar que a linguagem seria o instrumento fundamental neste processo de
constituição do homem. “Os Signos, entendidos como instrumentos convencionais
de natureza social, são os meios de contato com o mundo exterior e, também, do
homem consigo mesmo e com a própria consciência” ( Aguiar 2000:129).
Como afirma
Vigotski, “ o pensamento não se exprime na palavra, mas nela se realiza”.
(2001:409). Temos assim que a relação pensamento - linguagem não pode ser outra
que não de uma relação de mediação, na qual ao mesmo tempo que um elemento não
se confunde com o outro, não pode ser compreendido sem o outro, onde um
constitui o outro. Desta forma, podemos afirmar que a compreensão da relação
pensamento, linguagem, passa pela necessária compreensão das categorias
significado e sentido.
Isto posto,
destacamos a necessidade da discussão das categorias significado e
sentido.
Segundo
Vigotski, (2001) o significado, no campo semântico, corresponde às relações que
a palavra pode encerrar; já no campo psicológico, é uma generalização, um
conceito.
Desta
maneira, a atividade humana é sempre significada: o homem, no agir humano,
realiza uma atividade externa e uma interna, e ambas as situações ( divisão
esta somente para fins didáticos) operam com os significados.
Os significados são, portanto, produções
históricas e sociais. Permitem a comunicação, a socialização de nossas
experiências. Embora sejam mais estáveis, “dicionarizados”, eles também se
transformam no movimento histórico, momento em que sua natureza interior se
modifica, alterando, consequentemente, a relação que mantém com o pensamento,
entendido como um processo.
zonas de sentido - zonas mais
instáveis, fluidas e profundas
O sentido é muito mais amplo que o
significado, pois o primeiro constitui a articulação dos eventos psicológicos
que o sujeito produz frente uma realidade.
Gonzalez
Rey,( 2003) o sentido subverte o
significado, pois ele não se submete a uma lógica racional externa. O
sentido refere-se a necessidades que,
muitas vezes, ainda não se realizaram, mas que mobilizam o sujeito, constituem
o seu ser, geram formas de colocá-lo na atividade.
O sentido coloca-se em um plano que se
aproxima mais da subjetividade, que com mais precisão expressa o sujeito, a
unidade de todos os processos cognitivos, afetivos e biológicos.
A apreensão dos sentidos:
- não significa apreendermos uma resposta única, coerente,
absolutamente definida, completa
- são expressões do sujeito muitas vezes contraditórias, parciais, que
nos apresentam indicadores das formas de ser do sujeito, de processos vividos
por ele.
Então como
apreendê-las?
Que caminho
nos conduziria a tal tarefa?
Procedimentos para análise através dos Núcleos de Significação
- as entrevistas devem ser consistentes
e suficientemente amplas de modo a evitar inferências desnecessárias ou inadequadas.
- elas devem ser recorrentes, isto é,
a cada entrevista, após uma primeira leitura o informante deverá ser consultado
no sentido de eliminar dúvidas, aprofundar colocações e reflexões e permitir
uma quase análise conjunta do processo
utilizado pelo sujeito para a produção de sentidos e significados.
- outros instrumentos podem permitir
aprimoramento e refinamento analítico. Para isto recomenda-se um plano de
observação, no processo das entrevistas, tanto para captar indicadores não
verbais, como para complementar e parear discursos e ações que estão nos
objetivos da investigação.
Outros instrumentos:
relatos escritos, narrativas, história de vida, frases incompletas,
autoconfrontação, vídeo-gravação e, inclusive, questionários ou desenhos desde
que sejam complementados e aprofundados através de entrevistas.
PROCESSO DE ANÁLISE
1.
A primeira etapa
se dá pela leitura flutuante e organização do material.
As leituras são feitas
do texto transcrito da entrevista, possibilitando que o pesquisador aproxime-se
do material, apropriando-se dele; e nesse processo organiza e enumera os pré-indicadores.
Os pré-indicadores são temas que se destacam por parecerem ter
importância para o sujeito da pesquisa, por estarem carregados de carga emocional,
ou também pelas ambivalências ou
contradições do que é expresso pelas falas, sempre relacionando esses
pré-indicadores com o problema de pesquisa proposto.
O produto dessa etapa é
uma lista de pré-indicadores que irão constituir em possibilidades de
construções dos núcleos de significação.
2.
A segunda etapa
se dá com o processo de aglutinação dos pré-indicadores levantados pelos
critérios de similaridade, complementaridade ou de contraposição.
O pesquisador atua em
uma análise do empírico atravessado fortemente pelo teórico, porém não é em si
uma construção teórica em sua completitude.
Identifica-se nesse
momento os indicadores que emergem
do processo de aglutinação dos
pré-indicadores. Ressalta-se que os indicadores podem ter significados diferentes em contexto
específicos.
3.
A terceira etapa
refere-se a dois momentos fundamentais para a elaboração de conhecimento a
partir do empírico realizado.
Primeira fase: a
construção dos núcleos de significação pelo entrelaçamento da articulação dos
indicadores, oferecendo uma nomeação a eles.
Esse processo ocorre
seguindo os critérios de articulação dos conteúdos dos indicadores por
semelhança, complementaridade e contradição. Dessa forma, acessam-se as
transformações e as contradições que ocorrem no processo de construção dos
sentidos e significados, objeto esses da análise da subjetividade.
O pesquisador
consegue ir além do que é aparente, coloca-se em uma postura interpretativa do
conhecimento construído a partir das falas do sujeito.
Segunda fase: análise
dos núcleos, que passa de um processo de
intranúcleo e segue para uma articulação internúcleos.
Essa análise compõe o
movimento dos sentidos do sujeito com suas contradições.
Nesse processo o
pesquisador, por meio de uma postura
construtivo-interpretativa, articula a fala do sujeito com o contexto
sócio-histórico ao qual está imerso, a fim de possibilitar compreender o
sujeito informante em sua totalidade.
Para atingir a
apreensão dos sentidos, os pesquisadores Aguiar & Ozella (2006) clarificam
a importância de investigar as necessidades expressas pelos sujeitos para
atingir as determinações constitutivas desses.
Os núcleos de significação elaborados são os pontos centrais e
fundamentais que confluem as determinações constitutivas do sujeito com o
problema proposto para a pesquisa. Inclusive, as nomeações dos núcleos de
significação, baseiam-se em expressões retiradas das falas do sujeito que
representam a articulação feita no desenvolvimento das emersões dos núcleos de
significação com o processo do sujeito atravessado pelos objetivos do estudo.
A análise é um momento em que as falas e emoções dos sujeitos são
organizadas em núcleos de significação e que precisam ser articuladas com o
contexto histórico no qual o sujeito se constrói e se constitui.
Para saber mais:
AGUIAR, Wanda Maria Junqueira; OZELLA, Sergio. Núcleos de significação como instrumento para apreensão da constituição dos sentidos. Psicologia Ciência e Profissão. V. 26, n.2, p.222-245, 2006.
Ozella, Sergio. Pesquisar ou construir conhecimento. O ensino da pesquisa na abordagem
sócio-histórica. Em A. M. B.
Bock (Org.), A perspectiva sócio-histórica na formação em psicologia
(pp. 113-131). Petrópolis: Vozes, 2003.
VIGOTSKI, Lev Semenovich. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
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