terça-feira, 29 de outubro de 2013

Pesquisar na Psicologia Sócio Histórica ou Histórico Cultural

Este texto é um texto preliminar para quem pretende iniciar os estudos acadêmicos na abordagem da Psicologia Sócio Histórica.

             A formação do pesquisador não deve ser apenas no campo da epistemologia ou metodologia.
Não basta aprender como se pesquisa, mas o aprendiz deve fazer pesquisa. Deve definir estratégias concretas, realizá-las efetivamente, mergulhar na análise de maneira crítica e produzir conhecimento.

·                    Para a SH não é apenas uma ação instrumental e mecanizada, a pesquisa deve envolver um compromisso aberto e declarado com uma visão de homem, com seu objeto de estudo e com as conseqüências de tal escolha.
o   A escolha é um ato político e ideológico, não apenas científico.

·                    O objeto de estudo da Psicologia é o homem e processo de construção do psiquismo.

Ø  Abordagem naturalística: considera apenas uma relação unidirecional da natureza sobre o homem
Ø  Abordagem dialética: o homem age sobre a natureza e cria, através das mudanças provocadas, outras conduções naturais para sua existência.

- Essa última visão, considerada pela SH demanda outros processos de investigação:

EPISTEMOLOGIA QUALITATIVA (GONZALEZ-REY):
buscarmos a explicação do processo de constituição do objeto estudado, ou seja, estudá-lo no seu processo histórico

Este homem, constituído na e pela atividade, ao produzir sua forma humana de existência, revela - em todas as suas expressões - a historicidade social, a ideologia, as relações sociais, o modo de produção. Ao mesmo tempo, esse mesmo homem expressa, a sua singularidade, o novo que é capaz de produzir, os significados sociais e os sentidos subjetivos.
A apreensão do homem, como nos lembra Vigotski (2001), se dará pela compreensão da gênese social do individual, “ pela compreensão de como a singularidade se constrói na universalidade e ao mesmo tempo e do mesmo modo, como a universalidade se concretiza na singularidade, tendo a particularidade como mediação”. (Oliveira, 2001:1). 
Podemos afirmar que a linguagem seria o instrumento fundamental neste processo de constituição do homem. “Os Signos, entendidos como instrumentos convencionais de natureza social, são os meios de contato com o mundo exterior e, também, do homem consigo mesmo e com a própria consciência” ( Aguiar 2000:129).
Como afirma Vigotski, “ o pensamento não se exprime na palavra, mas nela se realiza”. (2001:409). Temos assim que a relação pensamento - linguagem não pode ser outra que não de uma relação de mediação, na qual ao mesmo tempo que um elemento não se confunde com o outro, não pode ser compreendido sem o outro, onde um constitui o outro. Desta forma, podemos afirmar que a compreensão da relação pensamento, linguagem, passa pela necessária compreensão das categorias significado e sentido.
Isto posto, destacamos a necessidade da discussão das categorias significado e sentido.   
Segundo Vigotski, (2001) o significado, no campo semântico, corresponde às relações que a palavra pode encerrar; já no campo psicológico, é uma generalização, um conceito.
Desta maneira, a atividade humana é sempre significada: o homem, no agir humano, realiza uma atividade externa e uma interna, e ambas as situações ( divisão esta somente para fins didáticos) operam com os significados.

Os significados são, portanto, produções históricas e sociais. Permitem a comunicação, a socialização de nossas experiências. Embora sejam mais estáveis, “dicionarizados”, eles também se transformam no movimento histórico, momento em que sua natureza interior se modifica, alterando, consequentemente, a relação que mantém com o pensamento, entendido como um processo.
zonas de sentido - zonas mais instáveis, fluidas e profundas
O sentido é muito mais amplo que o significado, pois o primeiro constitui a articulação dos eventos psicológicos que o sujeito produz frente uma realidade.
Gonzalez Rey,( 2003) o sentido subverte o significado, pois ele não se submete a uma lógica racional externa. O sentido refere-se a necessidades que, muitas vezes, ainda não se realizaram, mas que mobilizam o sujeito, constituem o seu ser, geram formas de colocá-lo na atividade.
O sentido coloca-se em um plano que se aproxima mais da subjetividade, que com mais precisão expressa o sujeito, a unidade de todos os processos cognitivos, afetivos e biológicos.

A apreensão dos sentidos:
- não significa apreendermos uma resposta única, coerente, absolutamente definida, completa
- são expressões do sujeito muitas vezes contraditórias, parciais, que nos apresentam indicadores das formas de ser do sujeito, de processos vividos por ele.

Então como apreendê-las?
Que caminho nos conduziria a tal tarefa?

Procedimentos para análise através dos Núcleos de Significação
- as entrevistas devem ser consistentes e suficientemente amplas de modo a evitar  inferências desnecessárias ou inadequadas.
- elas devem ser recorrentes, isto é, a cada entrevista, após uma primeira leitura o informante deverá ser consultado no sentido de eliminar dúvidas, aprofundar colocações e reflexões e permitir uma quase análise conjunta do processo utilizado pelo sujeito para a produção de sentidos e significados.
             - outros instrumentos podem permitir aprimoramento e refinamento analítico. Para isto recomenda-se um plano de observação, no processo das entrevistas, tanto para captar indicadores não verbais, como para complementar e parear discursos e ações que estão nos objetivos da investigação.
            Outros instrumentos: relatos escritos, narrativas, história de vida, frases incompletas, autoconfrontação, vídeo-gravação e, inclusive, questionários ou desenhos desde que sejam complementados e aprofundados através de entrevistas.

PROCESSO DE ANÁLISE
1.                  A primeira etapa se dá pela leitura flutuante e organização do material.
As leituras são feitas do texto transcrito da entrevista, possibilitando que o pesquisador aproxime-se do material, apropriando-se dele; e nesse processo organiza e enumera os pré-indicadores.
Os pré-indicadores são temas que se destacam por parecerem ter importância para o sujeito da pesquisa, por estarem carregados de carga emocional, ou também pelas ambivalências ou contradições do que é expresso pelas falas, sempre relacionando esses pré-indicadores com o problema de pesquisa proposto.
O produto dessa etapa é uma lista de pré-indicadores que irão constituir em possibilidades de construções dos núcleos de significação.

2.                  A segunda etapa se dá com o processo de aglutinação dos pré-indicadores levantados pelos critérios de similaridade, complementaridade ou de contraposição.
O pesquisador atua em uma análise do empírico atravessado fortemente pelo teórico, porém não é em si uma construção teórica em sua completitude.
Identifica-se nesse momento os indicadores que emergem do processo de aglutinação dos pré-indicadores. Ressalta-se que os indicadores podem ter significados diferentes em contexto específicos.

3.                  A terceira etapa refere-se a dois momentos fundamentais para a elaboração de conhecimento a partir do empírico realizado.
Primeira fase: a construção dos núcleos de significação pelo entrelaçamento da articulação dos indicadores, oferecendo uma nomeação a eles.
Esse processo ocorre seguindo os critérios de articulação dos conteúdos dos indicadores por semelhança, complementaridade e contradição. Dessa forma, acessam-se as transformações e as contradições que ocorrem no processo de construção dos sentidos e significados, objeto esses da análise da subjetividade.
O pesquisador consegue ir além do que é aparente, coloca-se em uma postura interpretativa do conhecimento construído a partir das falas do sujeito.
Segunda fase: análise dos núcleos, que passa de um processo de intranúcleo e segue para uma articulação internúcleos.
Essa análise compõe o movimento dos sentidos do sujeito com suas contradições.
Nesse processo o pesquisador, por meio de uma postura construtivo-interpretativa, articula a fala do sujeito com o contexto sócio-histórico ao qual está imerso, a fim de possibilitar compreender o sujeito informante em sua totalidade.
Para atingir a apreensão dos sentidos, os pesquisadores Aguiar & Ozella (2006) clarificam a importância de investigar as necessidades expressas pelos sujeitos para atingir as determinações constitutivas desses.
Os núcleos de significação elaborados são os pontos centrais e fundamentais que confluem as determinações constitutivas do sujeito com o problema proposto para a pesquisa. Inclusive, as nomeações dos núcleos de significação, baseiam-se em expressões retiradas das falas do sujeito que representam a articulação feita no desenvolvimento das emersões dos núcleos de significação com o processo do sujeito atravessado pelos objetivos do estudo.

A análise é um momento em que as falas e emoções dos sujeitos são organizadas em núcleos de significação e que precisam ser articuladas com o contexto histórico no qual o sujeito se constrói e se constitui.


 Para saber mais:
AGUIAR, Wanda Maria Junqueira; OZELLA, Sergio. Núcleos de significação como instrumento para apreensão da constituição dos sentidos. Psicologia Ciência e Profissão. V. 26, n.2, p.222-245, 2006.
Ozella, Sergio. Pesquisar ou construir conhecimento. O ensino da pesquisa na abordagem sócio-histórica. Em A. M. B. Bock (Org.), A perspectiva sócio-histórica na formação em psicologia (pp. 113-131). Petrópolis: Vozes, 2003.
VIGOTSKI, Lev Semenovich. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. São Paulo: Martins Fontes, 1998.


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